Postagens populares

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Transtornos Globais do Desenvolvimento, Educação e Processos Inclusivos --

Claudio Roberto Baptista Programa de Pós-Graduação em Educação
Faculdade de Educação Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Premissas
Trata-se de um campo complexo – Transtornos Globais do Desenvolvimento / Autismos – que se associa a conhecimento parcialmente definido e necessariamente transdisciplinar;  Campo que tem sido ‘justificador’ de afastamento dos sujeitos dos espaços comuns da educação, em função de sua diferença quanto ao perfil esperado para uma criança (comunicação/interação);
Necessidade de oferta de atendimento educacional especializado sob pena de fortalecermos o círculo de exclusão;
Importância de valorizar a dimensão de um olhar que constitui o sujeito – para além da técnica e da intervenção.
Potência pedagógica que reside no debate sobre a escolarização desses sujeitos, em função do questionamento que é imposto ao currículo e aos processos de escolares.


Ter como objetivos...
Resgatar aspectos históricos relativos à definição do sujeito com TGD (de quem falamos?);
Esboçar uma análise sobre experiências de educação que têm possibilitado a presença de alunos com TGD nas escolares regulares em classes comuns.
Discutir princípios que tornam possível essas experiências e, consequentemente, as linhas organizadoras da educação de alunos com TGD.

Passos...
I: Autismo e a criança selvagem
II: Ariel
III:Para sintetizar as idéias (indícios extraídos dos relatos)

I: Autismo e a criança selvagem
Itard, Victor e Pinel
França no início do Século XIX
Menino capturado ao se aproximar de um povoado. Exposto. Examinado. Levado para Paris e, posteriormente, entregue a Itard que se ocupa de sua educação por anos.

I: Autismo e a criança selvagem
Pinel descreve Victor...
“(...)apresenta-se incapaz de atenção, se não dirigida a objetos de suas necessidades, e, consequentemente, incapaz de todas as operações do espírito que implicam essa primeira; desprovido de memória, de julgamento, de capacidade de imitação” (Pessotti,1984, p.38)

Pinel descreve Victor...
“(...)finalmente desprovido de qualquer meio de comunicação, não ligando nem expressão nem intenção aos gestos e movimentos de seu corpo; passando com rapidez e sem qualquer motivo presumível de uma tristeza apática às explosões de riso mais imoderadas; insensível a todo o tipo de afecções morais; seu prazer uma sensação agradável dos órgãos do gosto, sua inteligência a aptidão de produzir algumas idéias incoerentes relativas às suas necessidades; toda a sua existência, numa palavra, uma vida puramente animal”(Pessotti,1984, p.38)

Itard...
Eu não aceitava tal opinião desfavorável, e apesar da verdade do quadro e da justeza das aproximações, ousava conceber algumas esperanças. Eu as fundamentava na dúplice consideração sobre a causa e sobre a curabilidade desse idiotismo aparente... essas duas considerações repousam sobre uma série de fatos que devo narrar e aos quais me verei forçado a acrescentar minhas próprias reflexões” (Pessotti, 1984, p.39)

Sobre o ato de educar
“(...)foi preciso torná-lo feliz à sua maneira, deitando-o ao cair do dia, oferecendo-lhe fartamente alimentos de seu gosto, respeitando sua indolência e acompanhando-o em seus passeios, ou melhor, em suas correrias ao ar livre, e isso fosse qual fosse o tempo que pudesse fazer”. (Itard, 2000, p.138)

Autismos
“As primeiras publicações sobre autismo foram de autoria de Leo Kanner (1943) e Hans Asperger (1944) os quais, independentemente (o primeiro em Baltimore e o segundo em Viena), forneceram relatos sistemáticos dos casos que acompanhavam, e suas respectivas suposições teóricas para essa síndrome até então desconhecida.” (Bosa, 2002)

Kanner (1943) descrevia
Inabilidade no relacionamento interpessoal;
atraso na aquisição da fala e seu uso não-comunicativo;
Particularmente notório era o sentido literal dado às palavras as quais eram “coladas” a uma situação específica, tornando-se inflexíveis;
a insistência obsessiva na manutenção da rotina, levando a uma limitação na variedade de atividades espontâneas.
Crianças inteligentes com dificuldade para demonstrar esse estado?
Crianças provenientes de meio elevado sócio-cultural e com traços obsessivos?

Kanner descreve o caso Donald
Donald permanece temporariamente em ambiente rural
“O casal de camponeses era ‘gentilmente firme’ com Donald. Eles criaram objetivos para as intensas estereotipias e rituais (ao invés de simplesmente tentar eliminá-las); transformaram suas preocupações obsessivas com as medidas, números em geral e datas, em atividades adaptativas...”
“...Assim, Donald ficou responsável pela mensuração da profundidade de um poço e pela construção de um “cemitério” para animais, isso em função da sua incontrolável necessidade de recolher animais mortos. Foram confeccionadas placas contendo o nome dos animais recolhidos, data de nascimento (desconhecida) e morte (dia em que fora encontrado), e outros detalhes. As repetidas contagens das fileiras de trigo foram encorajadas se acompanhadas pelo cultivo simultâneo à contagem, enquanto andava a cavalo – atividade que era realizada de forma hábil”. (Bosa, 2002)

Controvésias...
Origem? Papel da dimensão biológica? Influência das relações familiares.
Variabilidade dos perfis dos sujeitos... Mudanças quanto aos parâmetros classificatórios: psicose, esquizofrenia, transtornos globais do desenvolvimento (da doença à síndrome)

Sistemas classificatórios
Tanto a CID-10 quanto o DSM-IV estabelecem como critério para os TGD o comprometimento em três áreas principais: alterações qualitativas das interações sociais recíprocas; modalidades de comunicação; interesses e atividades restritos, estereotipados e repetitivos.

Conhecimento prévio: assumir um ponto de vista
“O fim está no princípio.” (Bruno Bettelheim. L’arte dell’ovvio. )

Primeiro encontro...
“As coisas que sabemos de uma pessoa antes de conhecê-la influenciam nossas observações e nossas reações. Um terapeuta, preocupado com o primeiro encontro com o paciente, tenderá naturalmente a selecionar as próprias percepções, escolhendo aquelas já sinalizadas pelo professor. E justamente porque está procurando uma confirmação, é fácil que negligencie importantes detalhes..” (Bruno Bettelheim.)

II- Ariel
O caso é composto por uma turma B20, equivalente ao quarto ano do ensino fundamental da RME/POA, e a professora-referência - Ana. A turma enfocada constitui-se de 25 alunos, crianças entre 9 e 11 anos, que inclui um aluno com características de autismo, o menino Ariel de 10 anos. Além da professora Ana, que trabalha com as disciplinas de português, história e geografia, há também uma outra professora responsável pela área de matemática e ciências, e professores especializados em arte-educação, educação-física e língua estrangeira. Importa registrar que muitos alunos já eram colegas, no ano de 2005, com a mesma professora-referência. (Lago, 2007)
Essa turma é considerada na escola uma turma diferenciada porque o nível de aprendizagem dos alunos não condiz com o esperado para o ano-ciclo. A maior parte das crianças está lendo e escrevendo, com algumas dificuldades, mas existem alunos que ainda não dominam o processo da lecto-escrita. Na turma, três alunos são atendidos pela Sala de Integração e Recursos (SIR), incluindo o aluno-foco da pesquisa. (Lago, 2007)
Ariel não apresenta problemas de leitura e escrita, mas tem um comportamento peculiar: 1) não interage espontaneamente com os colegas; 2) apresenta uma fala “robotizada” (ás vezes, repete de forma mecânica falas de programas de TV); 3) responde a perguntas simples, mas não consegue desenvolver um assunto; 4) apresenta interesses repetitivos por determinados temas e todas as suas produções voltam-se a isso; 5) quando fica agitado mexe com as mãos de forma estereotipada; 6) lê e escreve bem, mas costuma reescrever várias vezes em cima do mesmo texto dificultando a leitura; 7) responde as questões que não requerem interpretação, acrescentando falas relacionadas com seu interesse no momento. (Lago, 2007)

Produção escrita do aluno Ariel [10 anos] (Lago, 2007)

Percurso
O aluno está na escola desde os sete anos e vem progredindo com sua turma desde então. Quando foi matriculado, já sabia ler e escrever, mas tinha muitas dificuldades na adaptação ao ambiente, bem como em responder adequadamente às demandas que aí se produziam. Só aceitava escrever dentro de um guia telefônico que levava para todos os lugares e tinha muita dificuldade em se expressar. A equipe de supervisão e orientação considera que, hoje, o aluno está adaptado ao ambiente e rotinas, bem como demonstra avanços na linguagem, na aprendizagem e na interação social. (Lago, 2007)
A professora lhe dá atenção, repetindo a sua fala para que os outros escutem e quando a resposta é desconexa ela tenta auxiliar dando um sentido de acordo com o que está sendo discutido. Por exemplo, em uma questão sobre o que você faria, se fosse prefeito da cidade, para acabar com a violência, Ariel responde com uma lista de candidatos e partidos políticos, mas termina com a frase “luta para terminar com a briga”. A professora lê e diz que talvez os políticos pudessem fazer algo para acabar com a violência, validando a resposta dada por ele. (Lago, 2007)
Eu acho que sim, acho que compreende bastante. Eu acho, mas é muito achismo, acho que ele compreende muito mais do que a gente pensa. Eu não creio que ele traz outras questões porque ele não está compreendendo e está se perdendo. Eu acho que ele traz o que ele... Ele não consegue viver uma coisa só ou pensar numa coisa só, parece que ele traz um monte de outras coisas porque ele precisa, como aquelas crianças meio ativas demais ali que precisavam fazer várias coisas ao mesmo tempo. E se tu conseguir canalizar ele trabalha mais do que tu proibir.(Fala da professor.

Ponto III: Para sintetizar as idéias
(indícios extraídos dos relatos)

Não se trata de propor uma educação para o aluno com TGD, mas de discutirmos que características deve ter a educação para dar suporte à presença de alunos que se diferenciam do perfil esperado
Trata-se de buscar uma construção coletiva (educadores) de um plano pedagógico individualizado, de modo que sejam valorizados os recursos do sujeito e estabelecidos objetivos compatíveis com as suas possibilidades de progresso. O percurso didático deve ser articulado ao plano geral no sentido da coincidência de conteúdos que poderão variar em profundidade;
Valorizar a pluralidade de estratégias de ação que podem combinar atividades em pequenos grupos, individuais e com a classe, sendo que estas últimas devem sempre ter prioridade;
Trata-se de reconhecer que são importantes os dispositivos legais que garantem flexibilidade curricular, redefinição dos parâmetros de avaliação e planejamento, pluralidade de adultos-referência, somatório de conhecimentos dos profissionais envolvidos, existência de uma rede de informações acerca do aluno, redefinição do caráter de composição dos grupos (idade cronológica e redução numérica de alunos).
Tudo isso ainda não basta...
“...torná-lo feliz à sua maneira...” (Itard)
Ser ‘gentilmente firme’ (camponeses descritos por Kanner)
Oferecimento de outras possibilidades e outros ‘nomes’ (Bettelheim)
Capacidade de integrar o modo de interagir do sujeito a um projeto educativo que o auxilie a produzir mudanças ...
Trata-se de conseguirmos articular o que dizemos e aquilo que fazemos, de diminuir o peso da responsabilidade exclusiva da educação do aluno à ação do professor, de sermos capazes de identificar mudanças qualitativamente diferenciadas.
Trata-se também de, prioritariamente, sermos capazes de constituir ‘contextos’ que eduquem.

“mas eu me dou conta de que se ele ficasse numa sala só com crianças iguais a ele, o que ele ia aprender se a dificuldade é se relacionar com este mundo. Quer dizer, eu vou proteger ele e botá-lo numa caixinha, ele não vai mudar em nada, então vejo que o lugar dele é sim aqui.” [fala da professora, Lago 2007]

Nenhum comentário:

Postar um comentário